Carta 46 - Resistência através de necessidades não satisfeitas

ESCOLA DE MEDITACAO WCCM

Ano 2 - Carta 46

 

Resistência através de necessidades não satisfeitas

Cara(o) Amiga(o)

Nós também precisamos estar cientes da maneira como o nosso 'ego' tentará nos dissuadir do silêncio da meditação: tocando o velho e emotivo disco da "necessidade não atendida" com suas autoimagens defeituosas. Se nossa necessidade de “amor” não foi satisfeita, ou se conhecemos apenas o amor condicional, amor como recompensa por bom comportamento, talvez nos seja difícil imaginarmos que Deus, que é Amor incondicional, também está do nosso lado. O ego nos provoca: você sabe que você não merece ser amado! Você não é bom o suficiente! Isso é para outros, não para você! A meditação se baseia num relacionamento amoroso de fé e confiança com o Divino. De início, essa nossa percepção de falta de mérito pode fazer com que a entrada nesse relacionamento seja muito desafiadora.

Se a nossa necessidade de segurança não foi satisfeita, isto pode muito bem levar a um anseio pelo controle da experiência de meditação. Nós tememos perder o controle, pois controle significa segurança, e desta forma o ego lança mão dessa fraqueza particular: você tem certeza de que isto é uma boa ideia? Você não vai estar no controle! Você não está com medo?  Portanto, o abandono que a meditação requer, inicialmente, pode ser incrivelmente ameaçador e pode causar uma sensação de pânico. Aceitar que nós somos essencialmente bons, apesar do que pensamos e sentimos, e que a natureza da Realidade Divina é Amor e Perdão, requer um salto quântico de fé.

Se a necessidade de estima é a nossa força motriz, o que nos faz colocar ênfase excessiva no status e na reputação, então, a consideração de se fazer algo “não ortodoxo”, até mesmo da contracultura, como a meditação, talvez não se encaixe na nossa real necessidade de sermos aceitos e respeitados.

Se nós não nos sentimos valorizados, porque o padrão do início de nossa vida foi marcado por termos sido ignorados, e nossas opiniões não foram consultadas, ou mesmo levadas em conta, então confiar em nossa própria voz interior, nossa própria opinião, é um problema real.

A maneira de seguirmos adiante é a de nos lembrarmos que todas estas emoções estão fundamentadas em nossas atitudes condicionadas que se formaram no passado. Assim, nós poderemos aprender a trocar o disco e não mais ouvir estas mensagens do “ego” ultrapassadas e defeituosas. Nosso mantra poderia ser: “Aquilo foi antes, isto é agora”.

Portanto, o desejo de acreditar em algo que está além de nós mesmos não vem do “ego”; é o aspecto inconsciente mais profundo de nossa consciência, nosso “ser”, que é a força de atração. A atração desse “eu” mais profundo nos faz buscar um verdadeiro significado que está além da realidade cotidiana do “ego”: “Dentre todos os meus pacientes na segunda metade da vida, ou seja, acima dos 35 anos, não havia um único cujo problema, no final das contas, não fosse o de encontrar uma perspectiva religiosa da vida.” (C. G. Jung – “O Homem moderno à procura de uma alma”). Embora Jung lidasse com pessoas cujos problemas já haviam se desenvolvido em neuroses, sua frase é verdadeira para todos nós. Considerando que leva tempo para que as neuroses se tornem incapacitantes ao ponto em que o tratamento seja necessário, essa consciência de uma falta de valores espirituais pode se iniciar muito mais cedo. Ele falava sobre uma “perspectiva religiosa” por causa do período em que ele vivia, mas o que nós encontramos agora é mais uma fome espiritual, que é nossa resposta ao amor da Realidade Divina, que inconscientemente nos atrai e nos motiva.

por Kim Nataraja

  

 Até a próxima semana!

Escola da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã
BRASIL

 

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Na ‘Conferência IX’ de João Cassiano, Abba Isaac, um dos Padres do Deserto, começa a ensinar a Cassiano e seu amigo Germano, sobre a oração. Ele primeiro enfatiza que existem diferentes tipos de oração. “O apóstolo [São Paulo] aponta quatro tipos de oração. ‘Recomendo, pois antes de tudo, que se façam pedidos, orações, súplicas e ações de graças, por todos os homens’ (1Tm 2,1). Ora, pode-se ter certeza de que essa divisão não foi feita inconsequentemente pelo Apóstolo.

Então, devemos primeiro investigar o que se quer dizer por pedido, por oração, por súplica e por ação de graças.” Abba Isaac continua com explicações detalhadas dos tipos de orações mencionados, quando cada um deles é apropriado, e conclui dizendo: “Portanto, todos estes tipos de orações... são valiosos para todos os homens [e mulheres] e, de fato, são realmente necessários.” Ele chega a ilustrar como o próprio Jesus usava cada um destes tipos de orações. Ele segue com uma explicação da oração que Jesus nos ensinou, o ‘Pai Nosso’, e a denomina a mais perfeita das orações.

Mas, finalmente, ele chega à mais desejável de todas as orações: a ‘oração pura’, ‘contemplação’, quando não mais estamos conscientes de que estamos orando e, então, ele cita Santo Antão: ‘A oração não é perfeita quando o monge está consciente de si mesmo e do fato de que ele está realmente orando.’ Abba Isaac enfatiza que todas as formas de oração podem conduzir à ‘oração pura’: o que se faz necessário é persistência e fé.

Ele, então, os incita para que eles “sigam o preceito do Evangelho, que nos instrui a entrar em nosso quarto (Mt 6,6), e fechar a porta, para então orar ao nosso Pai. Nós oramos em nosso quarto quando retiramos nossos corações completamente da confusão de todo pensamento e preocupação, e revelamos nossas orações ao Senhor em segredo, por assim dizer, intimamente. Nós oramos com a porta fechada quando, com os lábios cerrados, e em total silêncio, oramos “àquele que busca corações, e não vozes”.

Aqui ele mostra o fundamento da contemplação, sem dizer a eles como ‘entrar em seu quarto’. Mas, na próxima Conferência ele explica como fazer isso, quando Cassiano e Germano mostram que estão prontos para esse tipo de oração ao fazerem a pergunta correta. Agora chegamos ao caminho de oração que John Main encontrou, para sua alegria, nos ensinamentos de Cassiano: orar com uma ‘fórmula’, que leva à contemplação.

Abba Isaac não restringe este tipo de oração a certos períodos do dia, mas incita Cassiano e Germano no sentido de ‘orar sem cessar’; “Você deveria, eu digo, meditar constantemente sobre este verso em seu coração. Você não deveria parar de repeti-lo enquanto estiver fazendo qualquer tipo de trabalho, ou realizando algum serviço, ou participando de uma jornada. Medite sobre o verso enquanto estiver dormindo, e comendo, e cumprindo as menores necessidades da natureza.”

Embora não se possa negar a importância deste tipo de oração para nós, e para os Cristãos primitivos, devemos lembrar que é apenas uma das formas de oração, dentre tantas outras. Laurence Freeman usa a imagem de uma roda para exemplificar os tipos de oração: “Pense na oração como uma grande roda. A roda gira em nossa vida em direção a Deus.... Os raios da roda representam os diferentes tipos de oração. Nós rezamos de formas diferentes, em horários diferentes, e de acordo com o nosso estado de espírito... Os raios são as formas ou expressões da oração, que se ajustam ao centro da roda, que é a oração do próprio Jesus... Todas as formas de oração são válidas. Todas são efetivas. Elas são informadas pela oração da consciência humana de Jesus que está dentro de nós, pela graça do Espírito Santo.” (Laurence Freeman)

 

por Kim Nataraja